terça-feira, 21 de junho de 2011

Sam Warner, o homem que doou a vida à arte

Ouvi falar de Sam Warner pela primeira vez no ano passado, na lendária aula de “Musica en El Espectáculo Audiovisual”, brilhantemente ministrada por Carlos Colón Perales. Além de doutor em História da Arte, Perales é profundo conhecedor da Semana Santa de Sevilha, na Espanha, onde tive o privilégio de sentir os olhos arderem pelas 3 horas seguidas sem piscar diante de sua exposição.

Infelizmente, tive o infortúnio de perder meu caderninho de anotações desta aula. Lembro-me de muitas “monedas culturales” adquiridas ao longo de 6 meses de estudo de trilha sonora para cinema. Dessas lembranças, presentes em mim como correntes elétricas falhas e lâmpadas com mau contato, uma que me acendeu por segundos essa manhã foi a de Sam Warner.

Se você vive nesse mundo, capitalista, globalizado, importador e exportador de arte, com certeza já viu algum filme, desenho ou seriado produzido pela Warner Bros. Corporation. Alguns dos mais recentes filmes lançados são “Se Beber Não Case Parte 2”; “Harry Potter” e “Liga da Justiça”.

Pois bem, Sam Warner, juntamente com Harry, Albert e Jack Warner, fundou a empresa Warner Brothers, participando ativamente da sua diretoria executiva até 1924, três anos antes de falecer.

Sam foi um daqueles homens que nadaram contra a corrente universal para a defesa de suas idéias e um bem maior: seu ofício como cineasta. Ele desenvolveu praticamente sozinho a tecnologia necessária para a produção do primeiro filme falado da história do cinema – “O Cantor de Jazz”.

 Al Jolson em "O Cantor de Jazz"

Sam sofreu para implantar sua inovação diante dos irmãos, que questionavam se uma alteração brusca traria aceitação popular. Ele, no entanto, de espírito iluminado, foi o primeiro dos irmãos a entrar para a indústria do entretenimento, logo em 1900, e, seguramente, já sabia o que viera fazer neste mundo.

Em 1924, depois do grande sucesso do filme “Rin Tin Tin”, do então novato Daryl Zanuck, os estúdios da Warner passaram por uma crise severa, ocasionada pelo advento de três grandes estúdios no mercado: Paramount, Universal e First National.

"The Adventures of Rin Tin Tin" TV intro

Diante da crise, Sam resolveu adquirir um estúdio de rádio, o KWBC, em 1925. Foi daí que surgiu a idéia da sincronização de áudio e vídeo.  Sam, então, empolgou-se com a idéia ao visitar a “Western Electric’s Bell Laboratories”. Ele queria que o irmão Harry assinasse um contrato com a empresa, para a produção de curtas-metragem com som, e teve sua proposta recusada.

Um ano depois, com a persistência da crise, Harry Warner deixa sua resistência e dá o aval para o grande passo de Sam. Além das visões inovadoras de cultura e tecnologia, Sam merece outra “moneda” pela grandeza de espírito - judeu convicto, ele pouco de importava em fechar negócios com uma empresa anti-semita, como era o caso da “Western Electric”. Mesquinhez e pequenez não cabem a um personagem digno de “monedas”. 

Em 1927, os cinco grandes estúdios – First National, Paramount, MGM, Universal e Producers Distributing cresciam cada vez mais, enquanto a Warner Brothers entrava em colapso financeiro. Depois de renovar contrato com a “Western Electric”, sob a condição da perda da exclusividade para a Warner, Sam, inspirado pelo espetáculo da Broadway, fez acontecer o sensacional “The Jazz Singer”, estrelando Al Jolson, primeiro filme com som sincronizado da história do cinema, com a tecnologia Vitaphone, implantada por Sam.

Esquema do Vitaphone

Exatamente um dia após finalizar o filme, Sam Warner faleceu, vítima de derrame cerebral. Há especulações de que ele teria sido morto pelos próprios irmãos, já que, desde o início, somente Jack Warner esteve ao lado de Sam. No entanto, o pai do cinema falado já sofria os malefícios do alcoolismo, o que, juntamente com o trabalho árduo e o desgaste de nadar contra a corrente, podem ter antecipado sua morte. Sam tinha 40 anos.

“The Jazz Singer” salvou os estúdios Warner do colapso, rendendo mais de 3 milhões de dólares e inaugurando a produção de mais 12 filmes com efeitos sonoros embutidos, no ano de 1928, o que reduziu os gastos com concertos ao vivo nas salas de cinema.

Uma curiosidade do advento do cinema falado é a quantidade de carreiras de atores e atrizes que foram destituídas graças à dificuldade em interpretar com a voz. Enquanto Greta Garbo era indicada ao seu primeiro Oscar pela interpretação de Anna Christie, seu primeiro filme com voz, em 1929, Charles Chaplin resistia para gravar filmes com som (e resistiu até mais de 10 anos depois do advento dessa tecnologia).  É a velha história da magia do locutor de rádio, que já nos antecipou Brecht, a voz desagradável e certos sotaques podem ser definitivos para a quebra do encanto do silêncio.

A decadência de atores e atrizes no início do cinema falado é retratada pelo filme “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard, 1950) através da personagem Norma Desmond, interpretada por Gloria Swanson.

Trailer de "Sunset Boulevard"
 

Muitas monedas para Sam Warner, o homem que deu o sangue para revolucionar o mundo das telonas!


Sam Warner, co-fundador da Warner Bros. Pictures

Nenhum comentário:

Postar um comentário